Como neste ano o músico homenageado do Festival de Música de Ourinhos é Pixinguinha, nada mais natural do que termos, na programação artística do Festival, eventos que evoquem o legado do músico fluminense. A apresentação da Orquestra Pixinguinha hoje, dia 17 de Julho, no Teatro Municipal, é um destes eventos que buscam trazer para o Festival a memória e a produção artística de Alfredo da Rocha Vianna Filho .
Conforme o próprio nome antecipa, a Orquestra Pixinguinha se dedica a tocar o repertório de Pixinguinha. O projeto teve início em 1987, quando o músico, arranjador e pesquisador Henrique Cazes encontrou uma coleção de arranjos inéditos de Pixinguinha na Biblioteca Nacional. Parte dessa coleção foi gravada no ano seguinte, em disco que foi lançado no Brasil, Japão e França.
Graças ao sucesso do primeiro disco, o projeto, que originalmente não previa apresentações ao vivo, saiu do estúdio e ganhou os palcos. Ao longo dos anos 90, lançaram mais dois discos, inclusive um que foi lançado apenas no Estados Unidos e Japão; e se apresentou ao redor do mundo. Depois de um hiato de alguns anos sem atuar na década de 2000, a Orquestra retornou em 2010, com nova formação, mas ainda sob o comando de Henrique Cazes.
A formação atual da Orquestra Pixinguinha traz, além do já mencionado Henrique Cazes no cavaquinho e regência, os seguintes músicos: Andrea Ernest Dias (flauta e flautim), Nelson Oliveira (trompete), Delton Brega (trompete), Daniel Garcia (saxofone alto), Rui Alvim (saxofone alto e clarinete), Macaé (saxofone tenor), Fabiano Segalote (trombone), Eliezer Rodrigues (tuba), Paulão (violão), Oscar Bolão (bateria), Beto Cazes (percussão), e um convidado especial: Marcelo Vianna, neto de Pixinguinha, no vocal.
HENRIQUE CAZES, PESQUISADOR DE PIXINGUINHA
Henrique Cazes fundou e dirige a Orquestra Pixinguinha. É autor do método “Escola Moderna do Cavaquinho”, tem vários CDs gravados e pesquisou a obra de Pixinguinha. Confira a entrevista que o músico concedeu ao jornal Balaio Cultural:
O Festival de Música de Ourinhos presta homenagem a Pixinguinha, e você é estudioso de sua obra. Quais foram os maiores desafios enfrentados para a pesquisa?
Em 1981, no vigor dos meus 22 anos, eu me desentendi com o professor de arranjo que queria me ensinar aquela receita de big band. Eu falei pra ele que queria aprender o estilo do Pixinguinha e ele disse que achava aquilo cafona, antiquado. Eu resolvi procurar por minha conta e tentar aprender como ele escrevia e porque soava daquele jeito. Na época eu procurei outros professores, gente que havia tido contato com o Pixinguinha e tinha gente que até achava que ele não escrevia nada, que era tudo improvisado. Depois de uns três anos procurando eu encontrei uma coleção de arranjos na Biblioteca Nacional, que nunca haviam sido gravados. Esses arranjos deram origem a Orquestra Pixinguinha e realizá-los, primeiro no estúdio e depois no palco, foi um aprendizado magnífico. Mas as dificuldades não foram poucas. Por exemplo a base harmônica não era escrita, em função do fato de os músicos que tocavam violão, cavaquinho e percussão não lerem música. Ouvindo gravações de arranjos de Pixinguinha em grandes quantidades, fui percebendo como era aquela ambientação e criando uma base para cada arranjo da Orquestra, com muitos detalhes de harmonia e percussão, deduzidos a partir dos sopros.
A Orquestra Pixinguinha ajuda a preservar e difundir a memória musical do choro e especialmente da obra de Pixinguinha. Os arranjos são originais ou foram adaptados? Como é a recepção do público a esse repertório?
O trabalho da Orquestra é muito popular, quando tocamos em praça pública o pessoal começa a dançar sem que precise nada ser dito. Acho que o motivo para tamanha capacidade de comunicação com o público é aquilo que sabiamente foi dito pelo saudoso Guerra-Peixe:"Pixinguinha deve ser encarado como um ponto de partida a ser seguido pelos orquestradores brasileiros. Seus trabalhos nessa especialidade deixam transparecer valores típicos da nossa música popular, seja em harmonia, contraponto, ritmo e feição regional. Tanto assim que ele é considerado, com muita razão, o único orquestrador que dá força regional à nossa música". E acredito realmente nisso.
Pixinguinha e outros músicos de sua geração enfrentaram as dificuldades do desemprego surgidas com o início do cinema sonoro. Quais as principais dificuldades para um músico hoje?
Acho que está havendo uma mudança muito grande, especialmente na área da música popular. Desde a Era do Rádio (1932-1964) o valor de um profissional era traduzido em oportunidades de emprego, em chamadas para gravações, etc. e havia mercado para se trabalhar se o cara fosse bom e responsável. Hoje está tudo muito desvalorizado, com o sistema de gravação em Pro-Tools ninguém precisa acertar no estúdio. O músico estar preparado tecnicamente, com um bom instrumento, hoje não é mais um valor. Os mais novos não sentem tanto, mas quem teve de lidar com essa perda, como a turma da minha geração, sofre. Por outro lado, nunca houve tanto interesse pela educação musical e o campo de trabalho com música para audiovisual tem crescido.
Com as facilidades em se “baixar” músicas pela internet, como fica a garantia dos direitos de autor no Brasil?
O compositor sofre mais que o músico, sem dúvida. Aqueles que não cantam ou tocam então…. Acho que a médio prazo, especialmente nos segmentos que transcendem a classe média como o samba, teremos uma grande queda em quantidade e qualidade, pela falta de motivação. Muita gente não imagina, mas eu senti na pele quando o samba “Chatos em desfile”, assinado pelo meu heterônimo, o Jota Canalha, entrou na novela “Caminho das Índias” em 2009. Eu, como autor da letra e da música, intérprete, arranjador, produtor, dono do fonograma, ou seja, sem dividir o dinheiro com ninguém recebi em torno de R$ 10.000,00. Antigamente quando o cara colocava a música numa novela ele comprava apartamento. Hoje em dia está difícil para o compositor sobreviver.
Conte sobre a experiência com o projeto “Eletro Pixinguinha XXI”. Existe uma nova roupagem para o choro no século XXI?
Nos últimos anos da década de 1920 e nos primeiros da de 30, Pixinguinha realizou experiências tremendamente originais, visando a criação de uma orquestra típica brasileira. A mistura continha Choro, samba e música afro-brasileira; combinados com a intenção da dança. Pelos mais variados motivos, inclusive a ascensão do samba como gênero nacional, essa parcela da obra de Pixinguinha ficou praticamente esquecida. O objetivo do“Eletro Pixinguinha XXI” foi resgatar esse capítulo, buscando um resultado que os DJs pudessem usar nas pista de dança.
Não se trata propriamente de novas roupagens mas de experiências mesmo, coisas com as quais muito se aprende quando há disposição para experimentar sem medo. O que acho mais positivo no ambiente do Choro atual é que não há mais, por parte da maioria, aquela censura ao novo, aquele compromisso de reproduzir o que já foi feito. Tem sempre um conservador que reclama, mas não é como na minha juventude quando tocar certo era tocar igual ao Época de Ouro.
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